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Sexta-feira, Março 29, 2024

A economia de Francisco – 3

Como reagir à crise?

No discurso de 22 de Dezembro à Cúria Romana, o Papa Francisco dá-nos pistas seguras de como reagir à presente crise, que não é só sanitária, mas económica, social e até eclesial.

Antes de mais, distingue entre crise e conflito, pois que a crise, geralmente, tem uma saída positiva. O conflito cria sempre um contraste, uma competição, um antagonismo aparentemente sem solução entre sujeitos divididos em amigos a amar e inimigos a combater, Cada um de nós interrogue-se se quer seguir Jesus com a docilidade dos pastores ou com a auto-protecção de Herodes; se quer segui-lo na crise ou defender-se dele no conflito. Convida-nos ainda a mantermos uma grande paz e serenidade, porque estamos cobertos com a misericórdia do Senhor que nunca nos abandona.

Recorda, depois, como a História da Salvação se vai realizando através das crises que se resolvem positivamente. Foram os casos de Abraão, Moisés, Elias, Paulo, e sobretudo a crise mais eloquente de todas: a de Jesus. Aliás, inaugura a vida pública com a experiência da crise vivida nas tentações. Por isso, as nossas análises da realidade: sanitária, económica, social e eclesial têm de estar iluminadas pela esperança. É a esperança que dá às  nossas análises aquilo que, tantas vezes, nós não somos capazes de descortinar com os nossos olhares míopes.

Deus continua a fazer crescer as sementes do seu Reino no meio de nós. Quando não olhamos para a crise à luz do Evangelho, «limitamo-nos a fazer a autópsia de um cadáver; ficamos assustados com a crise, não só porque nos esquecemos de a avaliar como o Evangelho nos convida a fazê-lo, mas sobretudo porque nos esquecemos de que o Evangelho é o primeiro que nos põe em crise». Quando reconhecemos que o tempo da crise é um tempo do Espírito, então, mesmo diante da experiência do escuro, da debilidade, da fragilidade, das contradições, do desânimo, não nos sentiremos jamais esmagados, mas conservaremos constantemente uma íntima confiança de que as coisas estão para assumir uma nova forma, surgida exclusivamente da experiência de uma Graça escondida no escuro».

Clarificando melhor a diferença entre crise e conflito, Francisco afirma que uma crise querida pelo Espírito não será jamais uma novidade em contraposição com o velho, mas uma novidade que germina do velho e o torna mais fecundo. A lógica do conflito procura sempre culpados a estigmatizar e desprezar, e justos a justificar para introduzir a consciência de que esta ou uma outra situação nada têm a ver connosco. A lógica do conflito é limitadora e parcial, empobrecedora da universalidade da nossa missão. A Igreja, analisada com as categorias do conflito, direita, esquerda, progressistas e tradicionalistas, fragmenta, polariza, perverte e trai a sua verdadeira natureza.. Uma Igreja vista nesta lógica do conflito, com vencedores e vencidos, só difundirá temor, tornar-se-á mais rígida, menos sinodal e imporá uma lógica uniforme e uniformizante, muito afastada da riqueza e pluralidade que o Espírito deu à Igreja. Por isso, resistir sem a ajuda do Espírito e sem esperança, só nos condena a permanecer mais sós e estéreis, pois pomos forte entrave ao operar de Deus que quer manifestar-se em nós e através de nós.

Mesmo a reforma da Igreja jamais será operativa se nela pensarmos como um remendo num vestido velho, ou a simples publicação de uma nova Constituição Apostólica. Não se trata de remendar um vestido, porque a Igreja não é um simples vestido de Cristo, mas é o seu corpo que abraça toda a história: «Nós não somos chamados a mudar ou reformar o Corpo de Cristo: ‘Jesus Cristo é sempre o mesmo, ontem, hoje e sempre’ (Heb 13,8). Nós estamos chamados a «revestir com um vestido novo aquele mesmo Cristo, a fim que apareça claramente que a Graça possuída não vem de nós, mas de Deus».

Temos de aceitar a crise como um tempo de graça, que nos foi dado para compreendermos a vontade de Deus sobre cada um de nós e para toda a Igreja. É a lógica aparentemente contraditória do Evangelho: «quando sou débil, então é que sou forte». Por isso «é fundamental rezar, não interromper o diálogo com Deus, não nos cansarmos de rezar sempre». Ter uma atitude vital, adorante. Não há outra solução para a crise senão a de rezar ainda mais e, ao mesmo tempo, fazer da nossa parte, com confiança, tudo quanto seja possível.

Este olhar abarca também a economia. Não podemos aguardar passivamente que tudo seja resolvido pelos outros. Não basta remendar o sistema económico. É preciso revesti-lo com a nossa operosidade e empenho, iluminados pelo Evangelho e na perspectiva de que a crise nos convoca a que acreditemos que podemos sair mais fortes dela.

Temos a luz de Belém, a do Calvário e a da Ressurreição. Não há trevas que a ofusquem se a acolhermos desarmados, encantados e esperançosos.

Padre Carlos Vaz, ASSASBraga

One thought on “A economia de Francisco – 3

  1. Muito obrigado Sr Pe. Carlos pela reflexão, da para fazer uma boa meditação. Um grande abraço
    Domingos Lopes

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