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Domingo, Outubro 13, 2024

[:pt]Ecos da Guiné: NO PINTCHA! *[:]

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42 anos! Foi anteontem!

Na frescura dos 30. O José Cid tinha ganho o Festival da Canção na véspera. Nessa noite  fomos à Cova da Moura despedir-nos do nosso chefe (brigadeiro!), O Bispo de Madarsuma. Lembras-te, David, do que ele nos disse? Sabem que não fazem a comissão inteira? Como? … Não posso dizer mais nada!!! Boa viagem…

O aviãozito (um DC 30?), a hélice, rumou ao Sal. Na madrugada escura e gélida, as faúlhas do motor em chispas ameaçadoras… ainda assustaram… Fez escala no Sal. Subimos… Mares (e ares) dantes (e agora) navegados... Terra à vista.

Abriu-se a porta. Descer a escada lembrou o Ananias, Azarias e o Misael a entrar na fornalha do castigo! Sente-se o bafo dum forno aberto. Bissalanca, na Guiné. Passámos por uma porta a apor uma assinatura num papel. (Na gíria – assinatura da ”certidão de óbito”). QG era o destino. Coração apertado numa farda nova com galões de oficial.

Vão todos para a Guiné! – tinha dito o chefe (o de Madarsuma, o Rodrigues ali de Ourém), aí pelo dia 10 de janeiro de 1974 na Academia Militar. (Lembras-te, Sousa e Alves, lembras-te, Joaquim Ribeiro?). Ficou a ameaça, que só se concretizou em meia dúzia (eram 16 os chamados: 2 não compareceram – refractários – 3 foram despromovidos): chegaram Cruz, Artur, David, Rui Alves, Fagundes e mais tarde o José Henriques que não foi promovido logo por causa duma boca foleira (só!). Acompanhou-nos o nosso chefe, de carreira, o Pires Soares, de Beja. O nosso destino era o QG. Fomos até ao fundo, ao Vaticano, como chamavam à tabanca dos capelães. A torre do QG ainda mostrava vestígios duma bomba ali rebentada em Fevereiro…

A Atlantics (do grupo Pestana) depositou-nos em Bissalanca, hoje Aeroporto Osvaldo Vieira. Formalidades definidas, carga em pirâmide, entassados como sardinha em lata, (onde mal cabiam 14 acotovelaram-se 21… dava pelo nome de Mercedes! Olha  o luxo!) entrámos no “trilho”, já de alguns conhecido, rumo ao “nosso” QG – a Cúria diocesana de Bissau. Pouca demora, que nos espera uma picada muito difícil até Bafatá. Outrora só de Nord Atlas!

Assim foi: salto aqui, pulo acolá, buracos a exigir manobras de volante, velocidade louca, asfalto irregular e desgastado, pó… tanto pó… joelhos fincados na lata dos bancos da frente, pouca espuma nos assentos, vergões nas coxas, vértebras a ranger, dores nas costas, mais salto, mais lomba… e nomes iam surgindo da boca dos ex-combatentes da comitiva: Mansoa, Porto-goll, Bissá, tabancas sem nome ao longo da estrada, Bambadinca, Xime e finalmente Bafatá. Irreconhecível o trilho pelo meio das tabancas, lá no cimo, sujas, porcos, galinhas, vacas, cabras, mau cheiro, abutres, lixo, muito lixo, ora amontoado, ora espalhado, parámos num pátio – a Cúria de Bafatá. Só no dia seguinte reconheci a Casa das irmãs franciscanas (ó irmã Alzira, de Leiria, lembra-se?). Reconheci, mas por outra entrada, agora abandonada… Aí era lavada a roupa dos capelães de então.

D. Pedro Zilli, o Bispo, acolhedor, num sorriso muito brasileiro, manifestou o seu reconhecimento pela visita e disponibilizou um acolhimento muito simpático e favorável. As horas iam passando e uma boa refeição completou o dia.

Começou a “nossa guerra”. Uma guerra diferente da que há 50, 45 e 40 anos a nove dos da comitiva fez muita “mossa” na vida. Recordar é viver. Cansados mas vivos.

AO – (Alferes capelão)

*Significa: estamos nesta, vamos para a frente… Sigamos.

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6 thoughts on “[:pt]Ecos da Guiné: NO PINTCHA! *[:]

  1. Como é bom viver para recordar. E como diz o meu amigo Artur, cansados mas vivos…Graças a Deus.

  2. Leio e vejo, com muito agrado, esta reportagem ilustrada do Pe. Artur, nosso Alferes Capelão. A memória do passado e a realidade presente! Como também revivi, fortemente, sentimentos de há 50 anos com os actuais! Experiência única; lição de vida!

    Abraço amigo
    Alfredo

  3. Gostei. Lembrar é viver. Só recordei os nomes das terras, pois eu estive lá de 1965-1967.
    Em alguns lugares tive histórias: muita guerra, alguma fome, aventura. 27 operações; 12 vezes debaixo de fogo; alguns a morrerem ao meu lado; o capelão a fugir dos ataques a meio da missa e …etc.,etc.
    Um abraço deste que, graças a Deus
    ainda está vivo
    Mota Tavares

  4. Mota Tavares,o que é feito de ti?Há muito que não apareces.Diz qualquer coisa.Tenho pensado muito nos tempos em que estivemos na Guiné.Mantive-me lá durante 3 anos e 7 meses.Bons tempos e boas conversas.que tivemos .Já nessa altura gostavas da Força Aérea.Um abraço amigo.

  5. Obrigado, AO, pelo relato histórico. Muito bom!
    Através dele, pude entrar um pouco nesses meandros de areias movediças e povoadas de serpentes…
    Deve ter sido saboroso para ti (e para os demais que voltaram ao “local do crime”) esse regresso ao passado!

  6. P.Artur, apreciei e gostei da tua bonita comunicação, escrita com arte e engenho. No fim de tudo, talvez, uma névoa de saudade, angústia e revolta, por ao fim de 42 anos de perigos, enganos e contradições vividos nas longínquas “picadas” de terra vermelha da Guiné-Bissau, aquela gente viva, ainda, sob os ditames da uma débil história social de reduzida subsistência. Só uma pergunta: soubeste novas de Aldeia Formosa (hoje Quebo) e da “minha” Chamarra” (destacamento que eu comandava) e que te recebeu, durante uns dias, com agrado, satisfação e total surpresa para este, então, jovem Alferes Mil.? Um abraço / M. Frazão

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