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Sexta-feira, Abril 19, 2024

A economia de Francisco – 4

Necessária uma conversão e transformação das nossas prioridades

O discurso do Papa Francisco aos participantes no Encontro de Assis sobre «A Economia de Francisco» é tão rico e desafiante que merece ser bem conhecido para poder ser interiorizado e levado à prática. Prosseguimos na sua análise.

Sem entrar em sistemas económicos enquanto tais, pois não são eles que, de per si, resolvem os problemas das desigualdades económicas, culturais e sociais, Francisco constata que a crise social e económica, «que muitos padecem na própria carne e que está a hipotecar o presente e o futuro de tantas crianças, adolescentes e inteiras famílias votadas ao abandono e à exclusão, não tolera que privilegiemos os interesses sectoriais à custa do bem comum».

Partindo da experiência que os jovens inscritos para o Encontro de Assis fizeram de trabalhar sobre os doze temas, abordando-os, tendo como base a cultura do encontro e não a da exclusão, que está tão enraizada na sociedade, o Papa salienta como eles conseguiram sentar muitas vozes diferentes à volta de uma mesa para dialogar, pensar, discutir e criar «segundo uma visão poliédrica, as diversas dimensões e respostas aos problemas globais que dizem respeito aos nossos povos e às nossas democracias». Todos sabemos quão difícil é progredir para soluções reais quando se é desacreditado, caluniado e descontextualizado pelo interlocutor que não pensa como nós. O que não passa de uma maneira de cada um se defender cobardemente das decisões que deveria assumir para  ajudar na resolução de tantos problemas de pobreza e desigualdade social.

Francisco cita mais uma vez a sua famosa afirmação na encíclica A Alegria do Evangelho, (EG) nº 235: «O todo é maior que as partes, e é mais que a simples soma delas». Mais: «A mera soma dos interesses individuais não consegue gerar um mundo melhor para toda a humanidade». Todos Irmãos (FT) 105.

O exercício da cultura do encontro no respeito mútuo por todas as diferenças é o passo fundamental para se alcançar qualquer transformação que: «ajude a dar vida a uma nova mentalidade cultural e, por consequência, económica, política e social». Porque: «não será possível empenhar-se em grandes coisas só com uma perspectiva teórica ou individual, sem um espírito que nos anime, sem algumas motivações interiores que dêem sentido, sem uma pertença e um enraizamento que dêem fôlego à acção pessoal e comunitária». Lodato Si (LS), 216.

Se trabalharmos com base na verdadeira cultura do encontro, chegaremos à conclusão de que: «o futuro é um tempo especial em que estamos chamados a reconhecer a urgência e a beleza do desafio que se nos coloca». Um tempo que nos recorda que: «não estamos condenados a modelos económicos que concentrem o seu interesse imediato nos lucros como unidade de medida e na descoberta de políticas públicas semelhantes que ignoram o próprio custo humano, social e ambiental».

Na nota correspondente, extraída do discurso ao «Seminário sobre novas formas de fraternidade solidária, de inclusão, integração e inovação», acrescenta que tais modelos económicos: «favorecem a evasão fiscal, a falta de respeito pelos direitos dos trabalhadores, juntamente com a possibilidade de corrupção por parte de algumas das maiores empresas do mundo, que, não raro, estão em sintonia com o sector político governante». Tudo isto: «como se pudéssemos contar com uma disponibilidade absoluta, ilimitada ou neutra dos recursos. Não, não estamos obrigados a continuar a admitir e tolerar, no silêncio dos nossos comportamentos, ‘que alguns se sintam mais humanos que os outros, como se tivessem nascido com melhores direitos ou privilégios de desfrute garantido de determinados bens ou serviços essenciais’». (LS, 50).

Na nota 13, corrobora: «Embora todos sejamos dotados da mesma dignidade, nem todos partem da mesma posição e com as mesmas possibilidades quando se considera a ordem social. E isto obriga-nos a pensar em caminhos em que a liberdade e a igualdade não sejam um dado meramente nominal, que se presta a favorecer a injustiça. Por isso nos fará bem que nos questionemos: «que coisa acontece sem a fraternidade conscientemente cultivada, sem uma vontade política de fraternidade, traduzida numa educação para a fraternidade, para o diálogo, a descoberta da reciprocidade e do mútuo enriquecimento, como valores?». (FT, 103).

A co-divisão dos bens é o grande milagre que nos sugerem os 6 relatos da assim denominada multiplicação dos pães. Mas milagre ainda maior é que todos incorporemos na mente, na vontade e nas acções do dia a dia esta mentalidade. Sem ela, os sistemas económicos ficam sem a verdadeira alma. Com ela e com a cultura do encontro, é possível ir transformando realmente o nosso mundo.

P. Carlos Vaz, ASSASBraga

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