A IGREJA POBRE E MISSIONÁRIA
– Missão em Moçambique
Depois de Cabo Verde e Guiné-Bissau, de São Tomé e Príncipe e Angola foi adiado o nosso regresso a África. Era a missão da UASP de 2020 a Moçambique. Mas, como se recordam, em Março desse ano, a pandemia parou o mundo, impedindo-nos de percorrer os caminhos que levam ao encontro presencial. E o povo moçambicano que, desde 2017, começou a sofrer os ataques bárbaros dos terroristas em Cabo Delgado; e que em Março de 2019 o ciclone IDAI atingiu cerca de um milhão e meio de pessoas, causando mais de 600 mortos e 4.000 casos de cólera; e, em Janeiro de 2021, o ciclone ELOISE deixou um rasto de destruição e morte na região da Beira com milhares de desalojados; este povo bem precisava dos nossos abraços de proximidade, de solidariedade e fraternidade. Os abraços que foram dados em Setembro de 2023. E assim foi, da distância à proximidade! Pudemos, como nos exorta o Papa Francisco, tornar a caminhar juntos. E sentir nas populações, particularmente na simplicidade e vivacidade das crianças, muitas em situação de extrema pobreza, a alegria missionária. Escutei de uma irmã etíope que “o crescimento de uma criança é o crescimento do País”! Ali, são homens e mulheres, sacerdotes, consagrados e leigos voluntários, a testemunharem a Mensagem Evangélica com palavras e obras. Em todos os lados falavam da importância dos catequistas na animação de tantas comunidades na celebração da Palavra, algumas distantes e esquecidas. Ao tempo da independência, nacionalizadas as Missões e as Escolas católicas e, depois, durante a guerra civil, eram os catequistas, prévia e adequadamente formados, que administravam os sacramentos do Baptismo e do Matrimónio e presidiam a outros actos litúrgicos, como aos funerais. Foram verdadeiros heróis e também mártires. Chegavam a percorrer a pé cerca de 50 kms. Em muitas situações foram e são os primeiros anunciadores do Evangelho; “Corações ardentes, pés ao Caminho”. Padres e catequistas, cada qual no seu ministério, continuam a caminhar juntos. O que ali se vê, sente e acontece tornou-se mais real nos contactos estabelecidos com as comunidades de três dioceses (Tete, Inhambane e Maputo); as Missões, paróquias, fazendas, creches, escolinhas, escolas do ensino básico, secundário, técnico-profissional; Universidades; Centro de Promoção Humana. São “Sementes de Esperança”!
Tivemos a graça de conhecer o Bispo de Tete, D. Diamantino Antunes, que nos acolheu fraternalmente na Casa Episcopal. Um pastor identificado com o seu rebanho e que acompanhámos, entre outros actos sociais, culturais e litúrgicos, na visita a uma comunidade, lá longe, e de picadas quase impraticáveis. A celebração, onde o tempo “parou”, foi a festa do povo que muito cedo para ali caminhou. A Igreja africana é cheia de vida e de alegria, apesar de muito pobre! D. Diamantino, de enorme coração missionário, deixou-nos profundamente sensibilizados, mormente pelo seu testemunho evangélico e empatia. Ali tivemos a graça de conviver também com o Serafino, um Voluntário italiano que há 14 anos trabalha na “vinha do Senhor.” Prestou, com total disponibilidade e gratuitidade, relevantes serviços à Igreja moçambicana, e agora, com o mesmo ardor missionário, à diocese de Tete. Homem simples e de bom humor, autêntico arauto do Evangelho. Ao tomarmos consciência de que somos membros desta Igreja e irmãos deste povo passámos a estar comprometidos na mesma missão. Escreveu o apóstolo São Paulo na primeira Epístola aos Tessalonicenses: “…recordamos a actividade da vossa fé… O nosso Evangelho não vos foi pregado somente com palavras, mas também com obras poderosas, com a acção do Espírito Santo”. A Palavra de Deus exorta-nos a um compromisso, a um empenho exigente na construção de um mundo novo. Não chegam as boas intenções e as palavras bonitas! Nesse sentido, jamais esquecerei o que ouvi a uma irmã na Missão de Massinga; enfermeira numa Clínica luxuosa do Brasil, mas no seu dia a dia “não via lá doentes pobres…”. Disse “Sim” ao chamamento de Deus e já religiosa consagrada deixou o conforto da Clínica e da sua terra e caminhou “apressadamente” para as periferias, realizando a sua missão junto dos pobres e doentes moçambicanos!
Como afirmou o Papa Francisco, ao contrário do que se passa em África, na Europa as igrejas “aparecem envelhecidas e cansadas”. E como também nos disse um missionário, “Os africanos abrem igrejas e os europeus tratam de as fechar”! É na África que cresce o maior número de católicos. Diminuem os catequistas em todos os continentes, mas crescem em África!
A Igreja, com os missionários e voluntários, e as imensas instituições sociais, apoia milhões de pessoas; são creches, escolas primárias e secundárias; do ensino superior técnico e universitário; orfanatos; hospitais; centros de educação e reeducação; lares da 3ª idade, de doentes crónicos e deficientes (ver a revista “ Além-Mar”, de Outubro de 2023, dos Missionários Combonianos). A missão é a identidade de Jesus Cristo e da Igreja Católica. O conceito de missão alterou-se profundamente com o Concílio Vaticano II. E é assim que, enquanto cristãos baptizados, somos todos Igreja.
Convido aqueles que, por ignorância ou má fé, acusam a Igreja de ser rica e gozar de privilégios a mais, a acompanhar-nos numa próxima viagem missionária a África e aí, como “homens de boa vontade”, encontrarão a verdade e farão certamente a sua “conversão missionária”.
Amigos, dei comigo a realizar um sonho à mistura com a aventura arrojada dos meus 82 anos! Mas, “procurar e arriscar são os verbos dos peregrinos”. Forte experiência de vida para reforçar a fé celebrada e vivida, mas sobretudo comprometida. Paguei a dívida, há muito tempo contraída, de homenagear dezenas de missionários franciscanos, semeadores do Evangelho em Moçambique, sobretudo em terras de Sofala, Manica, Inhambane, Xai-Xai e Maputo. À cidade da Beira chegaram os primeiros em 1898. A história da sua actividade, ao longo de 100 anos de missão, é muito rica. Como disse o Professor Veríssimo Serrão, nas celebrações do centenário: “… Não temos dúvidas que os moçambicanos de hoje guardarão vivas, graças a tão nobre apostolado, o nome e a mensagem de São Francisco de Assis”. Na verdade, é justo que deles façamos memória. Com eles apareceram as vocações nativas para a vida franciscana e missionária. É franciscano o primeiro sacerdote moçambicano, o padre Alexandre dos Santos, ordenado em 1953. E depois, também, o primeiro Bispo dali natural e, mais tarde, Arcebispo de Maputo e Cardeal! Nesta viagem missionária de Setembro, entre tantas outras que fundaram nas dioceses da Beira e Maputo, pude visitar algumas ”Missões” por eles edificadas, designadamente nas dioceses de Xai-Xai e Inhambane. Também em Maputo, visitámos a paróquia de Santo António de Polana. A igreja é um edifício imponente, de grande beleza. Obra de arte moderna do Arquitecto Craveiro Lopes, filho do antigo Presidente da República Portuguesa, Marechal Craveiro Lopes. O Luís Matias dedicou-lhe imenso e merecido relevo numa das suas excelentes crónicas.
Quando aluno franciscano li e ouvi lindas histórias desses trabalhadores da grande messe. Mais tarde, alguns jovens missionários da minha geração e companheiros de curso, partiram para a Guiné-Bissau e Moçambique. Nesta viagem saboreei e vi como tudo é bom! Também eles deixaram, por lá, “Sementes de Esperança”, caída em terra fértil, e que, agora, com o amanho cuidado dos frades menores moçambicanos, começou a germinar e a dar bons frutos…
Para concluir, permitam-me uma breve nota histórica sobre o “Centro de Promoção Humana de Guiùa”, perto da linda e cuidada cidade de Inhambane, onde o Padre Franice João nos acolheu com imensa simpatia durante alguns dias. Agora longe, mas continuamos a trocar mensagens amigas e fraternas. Novamente o Luís Matias, numa das suas crónicas, descreve brilhantemente este grandioso “Centro.” A diocese de Inhambane teve como primeiro bispo o missionário franciscano, D. Ernesto Gonçalves da Costa, fundador, juntamente com os Missionários da Consolata, do então “Centro Catequético de Guiùa”, aldeia comunitária para a formação de famílias catequistas, inaugurado em 1972. Inicialmente ali prestaram relevantes serviços alguns irmãos franciscanos portugueses e moçambicanos. A comunidade franciscana, encarregada da direcção do Centro, permaneceu até 1979 e, entre 1976-77, chegou mesmo a funcionar aqui o Noviciado. Entre os frades residentes encontrava-se o Frei Adriano Langa, actualmente Bispo emérito da diocese de Inhambane, sucessor de D. Diamantino Antunes, Bispo de Tete, na causa da beatificação dos “Mártires de Guiùa”, aqui feitos reféns e, de seguida, em local muito perto, barbaramente assassinados. Em 1983 o Centro foi desactivado em consequência da guerra civil. D. Ernesto mandou construir a nova catedral da diocese que tivemos a graça de visitar. Aquando da independência de Moçambique a Santa Sé pediu-lhe para presidir, como Administrador Apostólico, em situação de emergência, à diocese de Maputo. Em finais desse mesmo ano de 1974 foi nomeado Bispo da Beira e continuou Administrador Apostólico da diocese de Inhambane até Janeiro de 1975.
Mas esta grandiosa “Obra”, tão relevante para a diocese de Inhambane e para Igreja de Moçambique, não morreu. Por isso, o “Centro de Promoção Humana de Guiùa” integra presentemente múltiplas valências, referidas e bem nas crónicas anteriormente publicadas no site da UASP. Entre os muitos serviços e funções faz parte deste complexo uma pequena comunidade feminina de Irmãs Franciscanas cuja superiora, a Irmã Elvira, enfermeira, é responsável pelo Centro de Saúde local.
Deixem que lhes diga, para concluir este pequeno texto de reflexão e avaliação de 20 dias de Viagem Missionária, que regressei de Moçambique como aquele viajante que exclamou: …”cada dia em África pede para ser absorvido como se não houvesse outros…”. Assim é!
Alfredo Monteiro (AAAFranciscanos)