IDADE DA INOCÊNCIA E O DOMÍNIO DOS AFECTOS
Realizou-se no dia 7 de Junho de 2025, na Casa do Clero em Fátima, mais um encontro da Associação dos Antigos Alunos do Seminário Diocesano de Leiria (ASDL).
Na Casa do Clero, pela terceira vez, descentrando do lugar que era tradição, o Seminário, por motivos com que a nostalgia nos fustiga, mas com um resultado verdadeiramente maravilhoso: o de integrarmos directamente na nossa reunião e convívio anual os padres ali residentes, nossos colegas que, de outra forma, não poderiam estar connosco, e que os torna muito felizes, a eles e a nós.
O Encontro, seguiu o formato habitual, aliás velhinho, mas sempre novo e apetecível, porque o que lhe está subjacente vai muito, mas muito, para além do formato que lhe damos; o móbil do Encontro, é do domínio dos afectos. Mas já lá voltamos…
A partir das 9:30 horas, com toda a informalidade, iniciou-se o tempo dos abraços, dos sorrisos, das perguntas, das respostas, das surpresas com que o “velho” sempre novo nos consegue brindar. O ambiente do espaço estava já todo preparado, com a ajuda inestimável de alguns colaboradores e voluntários.
Quando estavam presentes quase todos os inscritos, cumpriu-se a formalidade estatutária associativa, em Assembleia Geral, na qual também participaram todos os acompanhantes – que não votaram – mas chancelaram o belo exemplo de uma Associação democrática e aberta. Sempre se começa com a lembrança nominal dos companheiros que perdemos no último ano, e um momento de tributo a todos (esses e os que fomos perdendo ao longo tempo), lembrança que se prolongou para a celebração da Eucaristia que se seguiu. A ordem de trabalhos foi sendo percorrida, com as respectivas votações onde se impunham e, concluída, não se perdeu um minuto para desfiar as conversas em falta…
Seguiu-se a Eucaristia, presidida pelo nosso Vigário Geral da Diocese, Pe. Manuel Armindo Janeiro, e concelebrada por todos os sacerdotes presentes, a maior parte deles, residentes na casa. Como o Encontro coincidiu com um tempo forte da liturgia, celebrámos a “vigíla de Pentecostes”, abrilhantada por um coro total, porque todos os seminaristas cantavam sob a batuta do Dr. Carlos Silva, e até mesmo aquelas “canas rachadas”, a quem o Dr. Gregório dizia: – Tu não cantas, tu rezas… aqui tentavam afilar o seu aparelho fónico a contribuir para o canto. O crescimento terá afinado alguns. Utilizámos os nossos smartphones num grupo de WhatsApp que criámos para discussão e partilha, para distribuirmos as partituras, numa versão actual e moderna das cópias da velha impressora de “stencil” do Dr. Carlos Silva, tocada à manivela, a expensas do abono facultado nos nossos belíssimos refeitórios.
Depois, a última parte do Encontro que, de alguma forma, ainda dura. Não a parte das gostosas sardinhas, fêveras, enchidos e respectivos acompanhamentos, regados a preceito, mas a gostosa sensação de que, estes encontros, perpetuam a conversa, o conhecimento e alegria da partilha ou (chamando os bois pelos nomes) dos AFECTOS.
É de AFECTOS que se trata. Daqueles que não morrem mais, porque foram gerados na idade da inocência e aí os mantemos e acariciamos eternamente em memórias.
E lembro a velha canção dos Trovante onde se diz:
As memórias são como livros escondidos no pó
As lembranças são os sorrisos que queremos rever devagar
As nossas vidas deram todas muitas voltas, as que sonhámos as que não sonhámos, e aquelas em que as circunstâncias foram decidindo por nós. Mas se olharmos para a nossa história, estamos cheios de afectos e desafectos, amor e desamor, vitórias e semi-derrotas. Mas há coisas que não mudam, porque não podem ser mudadas, nem sequer reinterpretadas nas nossas histórias; são as que nos marcaram na “idade da inocência”. Essas serão eternas enquanto duramos. Essas cimentam a nossa amizade ao longo dos tempos, ainda que não nos encontremos fisicamente com frequência.
Alguns dos nossos colegas poderão até ter hoje outros conceitos e ideias sobre religiosidade e religião, e podem associar o seu tempo de seminário apenas a esta dimensão mas, sem qualquer dúvida, o que nos junta é o AFECTO, são as memórias de companheirismo naquelas idades, o que trilhámos e vivemos pela vida fora a partir daquelas paredes, da disciplina que ali adquirimos e que, seguramente, nos influenciou pela vida fora e são pedras fundamentais no que somos hoje (por adesão ou reação) e no nosso percurso de vida. É isso que ali festejamos, com alegria; as boas memórias. Ouvi recordações muito gratas sobre histórias que não tinham assim tanta piada, ao tempo, como expulsões, alguma atitude severa por parte de educadores, umas canetadas (para mim gratas) no piano; algum desincentivo (…”Tu não cantas, tu rezas…”) mas a seguir retificado por outros pensares (quem canta reza duas vezes – tantas vezes repetido pelo Dr. Carlos Silva); essas memórias, sempre cimentam, a esta distância. Por isso, apelo aos colegas amigos que possam ter algum sentimento de recusa por estes motivos, que experimentem a vir nos próximos Encontros; seguramente serão de longe compensados pelas memórias e os afectos.
Este Encontro não seria o que foi sem a disponibilidade da Casa do Clero e dos seus colaboradores, bem como da ajuda preciosa de amig@s voluntári@s que asseguraram a grelha e o serviço: Judite, Laura, Boaventura, Aida; a incansável Gracinda e a nossa eterna assistente, “seminarista honorária” (provavelmente única no mundo com este título), a Isabel Oliveira. A todos o nosso mais profundo agradecimento, e o nosso maior abraço.
Luís Matias, ASDL
7/6/2025