Disse ao nosso grupo de viagem que me tinha inscrito porque desejava uns dias passados com boas companhias. Era verdade! Mas para companhia referia-me inicialmente apenas aos três sacerdotes a quem me juntava. Agora concluo de duas formas:
a) Que Deus me concedeu bem mais amigos que aqueles que inicialmente eu determinara; amigos no grupo que foi, e amigos nas dezenas (ou centenas) de pessoas que nos receberam como quem recebe anjos de Deus;
b) Que o meu desejo inicial secundarizava o destino – era importante “ir com” mas não era importante “para onde”; e também nessa matéria fui surpreendido porque andámos numa terra verdadeiramente encantadora.
Vim de Cabo Verde surpreendido e feliz. E hoje mantenho os mesmos sentimentos.
Não comparo a viagem a outras, nem para melhor nem para pior. Porque esta fui única e incomparável sob muitos aspetos.
Notas da minha surpresa:
a) O grupo da viagem era-me quase totalmente desconhecido, com exceção dos sacerdotes; além disso foi constituído por muitas pessoas que não são antigos seminaristas, mas apenas amigos de antigos seminaristas. Porém não foi preciso muito tempo para que o gelo se quebrasse e nos fossemos entrosando, muitas vezes com muita seriedade e intimidade no conteúdo da pertença eclesial ou da dinâmica espiritual. Penso que fomos todos muito afáveis. Penso que todos necessitámos de todos, bem-vistas as coisas. Penso que todos nos deixámos surpreender pela dinâmica comunitária, a ponto de não termos programa ou objetivos pessoais.
b) As paisagens foram novidade. O ambiente desértico das paisagens de Santiago e de São Vicente foram novidade para mim, pois não conhecera ainda ambientes tão “desolados” de verdura. Claro que metade de Santo Antão me encantou porque aquelas montanhas íngremes e verdejantes fazem parte dos meus gostos pessoais. Também gostei muito da paisagem no regresso do Tarrafal.
Por falar em Tarrafal: naquela prisão senti que de facto a história dos últimos 80 anos do país está por fazer, e que muitos têm sido bastante oportunistas na defesa das suas convicções e ideologias políticas – e mais não digo.
Deixo uma nota de apreço pelo esforço, dedicação e carinho de quem trabalha a terra nas encostas de Santo Antão ou no vale entre a Ermida e o Calhau.
Também apreciei as casas, sobretudo na Praia. Se é verdade que há milhares de construções de tijolo sem reboco ou pintura, também é verdade que daqui a meia dúzia de anos tudo aquilo será um jardim de cores! Porquê? Porque toda a gente, de forma muito modesta – é certo, está empenhada na construção do seu cantinho. Essas casas para mim espelham um povo que vive de esperanças e se empenha hoje no seu futuro bem simples e bem concreto.
c) A vivacidade das crianças é indescritível. São muito lindas. Pareceram-me muito empenhadas quer na escola quer nos seus recreios. Os seus olhos brancos e quentes escondem toda a tragédia – até a fome que sentem na sua barriguita. São a riqueza palpável num país que ainda nem deixou de ser pobre e já está economicamente insustentável! Mas as pessoas são mais que a economia gerida pelos políticos! Não sei a que esperança se podem agarrar; mas sei que não pactuam com o desespero! E isso é lição de vida.
d) Também deixo um apontamento sobre a Igreja que vi e senti em Cabo Verde.
As duas dioceses são distintas. Apreciei ambos os Bispos que conhecemos: o de São Vicente pela sua juventude, organização, realismo e dedicação; o de Santiago pela sua provada consagração àquelas gentes e pela sua maturidade pastoral. O Clero é encantador, de modo geral; é muito jovem e profundamente comprometido com o Povo de Deus (em São Vicente e em Santo Antão são jovens encantadores, teologicamente muito bem formados e consagrados a Deus e às comunidades).
Assinalo o trabalho dos Espiritanos, que conheci de perto em São Lourenço dos Picos; são muitas décadas de consagração missionária e trouxeram de facto ao clero o sentido da disciplina e da unidade eclesial no desempenho do múnus.
Quanto às comunidades: inúmeras vibram com os projetos em que estão envolvidas, têm um apurado sentido da Eucaristia e da catequese; estão organizadas em critérios que expressam a comunhão, a participação e a eclesiologia.
Obrigado pelo testemunho que recebi!
e) Uma última nota para os meus amigos padres Armindo e José e Monsenhor Luciano Guerra: não fiquem tristes por ter ganho outros amigos e amigas além de vós, e por ter tido muito mais que três boas companhias!
Não deixo nenhum recado especial a quem porventura tiver tido a paciência de ler este texto até agora! Por mim sinto-me feliz por ter arriscado, mais uma vez, em sugestões que têm pelo meio o meu amigo Pe Armindo Janeiro. E sou bem capaz de considerar propostas que venham desta Associação!
Pe Luís Morouço
Há os que nasceram com o dom de bem dizer e escrever. Outros há, que saboreiam essas crónicas tão agradáveis e que nos fazem reviver a realidade vivida.
O meu muito obrigado por esta partilha de memórias, Sr. Padre Luís.
Costa e Silva (de 1955)
Obrigado pela estima assim manifestada!
Um abraço