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Quarta-feira, Novembro 13, 2024

Somos portugueses, mas we speak english!

(Terá futuro, a língua portuguesa?)

Lamentável e contra-sensual, no mínimo, é haver gente nada e criada aqui, em Portugal, que a toda hora, em qualquer lugar ou circunstância, utiliza termos e expressões em inglês, quando bem podia usar os correspondentes em português. Por que há-de dizer-se “task force”, por exemplo, quando se pode utilizar “grupo de trabalho”? Por vaidade? Por ser moda? Por ser “nice”?

“Se não for travada a entrada na nossa língua de estrangeirismos desnecessários”, afirma José Eduardo Agualusa, “Portugal não deixará de ficar de joelhos”. Também João de Araújo Correia sentencia: “Se Portugal perder o bom uso do Idioma, não perderá as algemas. Terá de se conformar com a escravidão.”

O “fenómeno” vem de longe, mas agrava-se nos nossos dias. Também, e sobretudo, creio, devido ao “exemplo” de pessoas seguidas pela fama, mais “visíveis”, portanto, e, claro, mais influentes. Rebusco três exemplos em “Gramática Desconhecida de Gente Conhecida”:

  1. «Margarida Rebelo Pinto (Jornal i, 24 de Novembro de 2012, logo na capa): “Tive de fazer ‘downsizing’ do meu ‘lifestyle’”. Isto dito por uma escritora portuguesa! Esta é a má notícia. A boa notícia é que, felizmente, as outras escritoras portuguesas diriam, por certo, tão-somente: “Tive de fazer redução do meu ‘estilo de vida’”.
  2. Jessica Athayde, actriz e modelo portuguesa (SIC, 25-11-12), programa “Fama Show”, 14h20m, em resposta à pergunta sobre se seguia a moda: “Sim, mas não sou uma ‘fashion victim’.” Se bem que filha de mãe britânica, não seria mais bonito que a simpática figura pública, falando português, em Portugal, dissesse que não é uma ‘vítima da moda’? É que, assim, vítimas somos todos nós desta ostentação que alastra por aí, qual maremoto…
  3. Optimus (Nov/Dez 2012): Os nossos ouvidos e os nossos olhos são literalmente metralhados com ‘All together now’, repetido até à exaustão. Por que não, em bom português, “Estamos todos ligados agora”? Estamos é desligados da língua portuguesa, isso é que é. Absurdo é defensores da canção em português, como Rui Reininho e Carminho, entrarem na onda (no anúncio) … “Okay, all together now let´s speak English”. ‘Bora lá falar inglês, em vez de português! Irónico, evidentemente.

“All together now” é letra de um tema dos Beatles. Em 2018 a BBC estreou uma mostra de talentos com o mesmo nome. Agora, em Março (2021) a TVI avançou com o formato inglês (como não podia deixar de ser, já que somos uns “macacos de imitação” – não é preciso dizer em inglês “copy cats” –, incapazes de criar algo), “All together now”, evidentemente. A maioria dos participantes CANTAM EM INGLÊS, claro.

Naturalmente a “cereja no bolo” tinha de aparecer. E apareceu. No Festival da Canção deste ano (2021). OS BLACK MAMBA VENCERAM COM UM TEMA CANTADO EM INGLÊS (“Love is on my side”). Não está aqui em causa a valia do quinteto que obteve passaporte para Roterdão, valia que tem, com certeza, já que há dez anos se mantém na cena musical. O problema é que o REGULAMENTO DO FESTIVAL NÃO IMPEDIA A CANDIDATURA DE CANÇÕES EM INGLÊS! Regulamento emanado pela televisão promotora do festival no nosso país, A RTP, A TELEVISÃO PORTUGUESA, empresa pública, que duas vezes recebe subsídios dos cidadãos: directamente do Estado (que somos todos) e pela “contribuição audiovisual” na factura da electricidade de cada cliente. NÃO LHE CABE A OBRIGAÇÃO DE DEFENDER/DIFUNDIR A LÍNGUA PORTUGUESA? Mas, para cúmulo da estupefacção, a canção dos “Black Mamba”, que no final estava empatada com o tema “Por um Triz”, acabou vencedora, pelos votos do público! O PÚBLICO PORTUGUÊS VOTOU POR UMA CANÇÃO EM INGLÊS! Mas em que país estamos?

Assim, não tenhamos dúvidas: Portugal corre o risco de perder a identidade, tornando-se, no dizer de Eduardo Lourenço, “um ser intrinsecamente mortal”. Haverá tempo – e vontade – para inverter a situação? É que já estamos a assistir a um conjunto de profundas alterações que descaracterizam o idioma português.

Sei que este escrito não passa de uma análise factual com pouca visibilidade, um alerta contra a negligência que nos impele a deixarmos de ser nós próprios. Das opções que fizermos hoje dependerá o futuro da nossa língua – o nosso futuro. Porque o desleixo faz-nos correr o SÉRIO RISCO DE A LÍNGUA PORTUGUESA, A LÍNGUA DE CAMÕES, DE AQUILINO, DE PESSOA – A NOSSA LÍNGUA – NÃO TER FUTURO.

Laureano Portugal (AAACombonianos)

3 thoughts on “Somos portugueses, mas we speak english!

  1. Um texto muito oportuno. Identifico-me com o autor. Merecia maior divulgação. Não bastava já o polémico acordo ortográfico a que eu desobedeço!
    Saudações cordiais

  2. Estou totalmente de acordo com o autor. Os próprios governantes entram nesses mundos de estrangeirismos… Parece que tal modo de falar confere importância. E um “festival da canção” e Portugal que apura um motivo em inglês?! Quando miúdo, aprendi que os meios de comunicação social representavam a linguagem padrão. Qual? A inglesa ou a poruguesa?

  3. Aplaudo com todas as mãos, como dizia o nosso saudoso P.e Allyrio G. Mello (Aveiro), que, na altura, tanto criticava os galicismos. Mas agora o que está a dar é a colonização pelo inglês!… Então essa da “task force” em tudo o que é comunicação, inclusive do Ministério da Saúde, é mesmo de bradar aos céus… Mas, por este andar, nem os céus vão valer à nossa língua!

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