Loading...

Domingo, Outubro 13, 2024

[:pt]POR MARES DANTES NAVEGADOS…. Guiné![:]

[:pt]DSC08388 (640x480)Éramos 19. “Por mares dantes navegados” – sigla a denunciar intenções de evangelização e bem fazer,  iniciativa da UASP (União das Associações dos Alunos dos Seminários Portugueses), iniciativa nascida no Ano da Fé, promulgado por Bento XVI. Tem por dinamizador principal o incansável P. Manuel Armindo e por agente de programação a Isabel Oliveira, incansável por igual e grande entusiasta da ideia. Cabo Verde foi o clic inicial. Dois anos volvidos, muita avaliação, muita programação, muito sonho… seguiu-se a Guiné. Claro, iniciativa do género vinha maculada com o condão de atiçar recordações de quem um dia teve a dita (infelicidade, talvez) de ter sido mobilizado para a Guiné, na guerra colonial.

Passado ao esquecimento o “levantamento das Caldas” (16 de Março), cada um dos capelães rumou à “sua guerra”. (Rendição individual): O Cruz para o Hospital Militar, o Rui para Tite, o David para Catió, o Fagundes para Pirada e o Artur para Bafatá para secundar o Luciano e lhe suceder nos Batalhões de Bafatá, Galomaro e Bambadinca. Andava um pouco” apanhado do clima”… tinha vindo de Gadamael Porto (um buracão) e precisava de alguém a ajudá-lo na “psico”, bastante alterada, e a criar problemas com as chefias… O Nord Atlas subiu de Bissalanca a Bafatá (era a única via de transporte para o Leste a via aérea…). Ambiente de guerra por todo o lado: fardas, mais fardas, camuflados, divisas, galões, bonés de várias cores, Artilharia leve e pesada, Cavalaria, (sem cavalos mas com chaimites…), Infantaria muita (tropa macaca lhe chamavam), Batalhões, CCS, Companhia 1, 2 e 3, pelotões e secções em “buracos” temíveis (Mato Cão, Dlombi, Cambadju, Chamarra), COP’s, CAOP’s, pistas, heliportos, helicanhões, LDG’s, LDM’s, fuzas, paraquedistas, bombardeiros, Fiats, (já não voavam depois do abate de dois – Ten. Coronel Brito), bombas no QG, no Café Ronda, mísseis terra-ar, canhões sem recuo, agákapa, além da “querida” G3, granadas, munições, RPG e que mais?… Berliet’s, Unimogs, o “burrito”, chaimites, waites, jeeps… ei! tanto ferro que ficou naquela pista de Bafatá! Santo Deus!

BAFATÁ

Saímos a porta da Cúria, olhos bem abertos para reconhecer terrenos pisados há 40 anos! Foram apenas 6 meses, mas deu para lembrar de memória tudo o que de bom e de menos bom por aqui se passou. Fomos celebrar à Catedral com o Bispo. Airosa, engalanada de motivos de festa, bem cheirosa, bem preparada, jovial. Há ali mão de missionário, de evangelizador e de comunidade viva e consciente no meio duma “muçulmanização” que atinge os 36%.

Outrora, mal cheirosa, dos milhares de morcegos que infestavam os telhados, despida, lúgubre, votada apenas a umas celebrações fúnebres ou de despedida de companhias, onde acorriam alguns militares e alguns autóctones, dois padres idosos (do PIME) e o irmão Luís… sempre agastado, à italiana…

Ali fui chamado pelo capitão da Cavalaria, pouco depois de assentar arraiais no teatro de guerra: “Ó capelão, temos aí um trabalhinho para amanhã”. Foi o meu “baptismo de fogo”: missa para 4 urnas, mais uma que ficou de fora por causa do mau cheiro… Tinham sido emboscados na estrada (asfaltada) Bafatá-Gabú, minada, e atacados com rochets de cima das árvores. Um deles caiu mesmo na escotilha da Chaimite, aberta por causa do calor e de muita negligência…

Foi uma celebração vivida sem dúvida, mais do que aquela, claro, que cheirava a morte, a ódio, a medo… (com escolta militar e bandeira nacional). Esta exalava clareza, devoção, amor, ornada de flores, exultativa, a significar ressurreição e vida nova. É a esperança duma cristandade, minoritária, é certo, mas viva, consciente, alegre, ousada, jovem, mexida, com cantos, palmas, ritmo e vida!  Encheu um coração que naquele mesmo altar um dia ali se contraiu e se constrangeu com tanta formalidade oficial… memória de morte.

Saímos. Olha o posto da Sacor! Está ali a guarita, um poste meio derrubado, as duas bombas (gasóleo e gasolina), esmorecidas por falta de trabalho, ainda a mostrarem envergonhadamente os números na ranhura da contagem.

Olha a subida para a Missão e para as irmãs Franciscanas (lembra-se, irmã Alzira? – tão jovem!). Está na mesma porque nunca deixou de ser um trilho na rocha vulcânica, ferrosa e rugosa! Olha! A estrada por onde da CCS e da messe de oficiais se subia para a tabanca, para a pista e para a Cavalaria! Que movimento de carros e pessoas! O alcatrão derreteu, a chuva esburacou, há verdadeiros precipícios, o lixo acumulou. Cuidado, onde pões os pés! Olha o entorse! Não caias no buraco!

Visita à Casa das Mães

Ali perto, mesmo no alto, nas cercanias da Cúria,  há um espaço que serve de Centro de Saúde, onde pacientes, calmos e pachorrentos, aguardam. Mesmo ao lado, duas ambulâncias num pátio. Por aí se entra para a “Casa das Mães”. Interessante! Apoio às grávidas que nas Tabancas não têm hipótese de assistência digna e salubre. São acolhidas pela instituição, magnificamente orientada por profissionais e voluntários, de base religiosa. Têm possibilidade de observações clínicas na gestação, assistência no parto e condições de aprendizagem de cuidados alimentares para os primeiros tempos dos bebés. Vão-se ocupando em trabalhos simples, em tarefas secundárias como a descasca do amendoim, trabalhos de costura ou tecelagem e outras…

Vê-se progresso em instituições organizadas e suportadas por algumas ofertas que vêm de fora, sempre com base sobretudo em instituições religiosas.

AO – (Alferes capelão)

DSC08366 (640x480)DSC08368 (640x480) DSC08372 (640x480) DSC08371 (640x480) DSC08391 (480x640) DSC08393 (640x480) DSC08394 (640x480) DSC08396 (640x480) DSC08399 (640x480) DSC08408 (640x480) DSC08564 (640x480) DSC08568 (640x480) DSC08574 (640x480) DSC08575 (640x480) DSC08578 (640x480) DSC08579 (640x480) DSC08580 (640x480)[:]

2 thoughts on “[:pt]POR MARES DANTES NAVEGADOS…. Guiné![:]

  1. Obrigado Padre Capelão, Artur Oliveira, pelo testemunho e pela brilhante narrativa!
    Foram só 6 meses, mas vividos com muita intensidade! Foram 6 meses que viraram a história às avessas e onde tanta coisa aconteceu. Foram 6 meses que te marcaram! E eu fui testemunha das reacções e emoções que o regresso aos espaços e às gentes despoletaram, em Bafatá, mas também em Bissau e noutros lugares.

    Em 1974, também estava lá ! Em Bissau! Vivi a expectativa do que estava para acontecer! sabia do que se ia passando lá pelo mato, pelos burakos do Norte, do Leste, do Sul… Mas também pelo interior, Caboiana, Morés…
    Vi e senti nos semblantes amargurados, dos soldados que passavam pelo Depósito de Adidos, o quanto sofriam e me faziam sofrer.
    Era grande o desejo do fim da guerra e do regresso a casa.

    Em 1973, também eu atirado para o mato, como carne para canhão!
    Creio ter tido protecção Divina! (Falarei disso noutra ocasião) Nenhum mal de maior me aconteceu.
    Mas sofri que baste!
    Tive um amigo que me ajudou a superar muito desse sofrimento.
    O Capelão, na altura Alferes e mais tarde Tenente, João Baltar!
    Aqui deixo a minha homenagem a esse amigo que já partiu para o Pai.
    Que Deus o tenha na Sua Glória.

    Abraços.

  2. Amigo P. Artur:

    És um realista convicto. Nem mais! A forma simpática, sentida e pormenorizada com que nos relatas aquilo que os teus olhos, agora (Janeiro 2016), viram e recordaram o que gravaram em 1974, são uma boa peça histórica da acção e do pensamento de ontem e de hoje.

    “FOI EM BUBA”! … Há quanto tempo eu te questionara, se sabias, em que zona da Guiné tinha falecido o nosso ex-companheiro do Seminário de Leiria e nosso ex-colega Alferes Mil.º Américo Henriques. Quem diria: faleceu em BUBA, aquela terra que me recebeu a 04/11/1972 com destino a Aldeia Formosa. Recordo que Buba pertencia ao Comando / Sector de Aldeia Formosa, assim como ao “meu” Destacamento da Chamarra, que tu muito bem conheceste, e, onde, praticamente, fiz toda a minha comissão. A minha intromissão bélica naquele destacamento que comandei com arrojados militares africanos e milicías era de tal abnegação e espírito de missão que só depois de lá sair (Agosto de 74) é que tive consciência e a noção dos perigos e insegurança que nos rodeava. Basta dizer-te, Artur, que em linha recta estaria a 20 Kms do célebre corredor de Guilege, junto à fronteira com a Guiné-Conacri, santuário dos nossos “amigos” do PAIGC.

    Recordo muito bem a visita surpresa que, simpaticamente, me fizeste, na Chamarra, e o contentamento dos nossos militares africanos e “metropolitanos” em receber-te e penso que a Chamarra soube honrar a tua visita. E aquele calor escaldante que a seguir ao almoço não foi impedimento impediente de uma renhida jogatana de futebol com as “maluqueiras” do nosso amigo Penim (era o meu responsável pelas armas pesadas), mais tarde viemos encontrá-lo, em Leiria,na feira de Maio, o Penim das farturas. Enfim, devaneios da nossa “jeunesse” que tão bem gravados estão.

    Continua, Artur, com teus apontamentos de circunstância a que já nos habituaste.

    Um abraço / M. Frazão

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *