Loading...

Terça-feira, Março 19, 2024

Viver o tempo pascal com alegria e exultação.

No nº 22 das «Normas Universais sobre o Ano Litúrgico e o Novo Calendário Romano Geral», afirma-se: «Os cinquenta dias que vão desde o domingo da Ressurreição até ao domingo de Pentecostes devem ser celebrados com alegria e exultação como se se tratasse de um único e só dia festivo, ou melhor ainda, ‘como um grande Domingo’». Dentro destes cinquenta dias, a oitava celebra-se como ‘solenidades do Senhor’, isto é, com a máxima solenidade litúrgica possível.

Todos sabemos a enorme dificuldade de mantermos a alegria exultante, mas se não fizermos esta experiência forte nestes 50 dias, passamos ao lado da Páscoa e da sua celebração quotidiana na eucaristia. A alegria exultante tem de brotar de um coração divinamente iluminado e jubiloso, quer do presbítero que preside, quer dos fiéis presentes na celebração. Esta vivência jubilosa depende sobretudo da alegria do presidente da celebração. Manifesta-se na maneira como interage com a assembleia, como recita as orações, proclama o evangelho, o explica e o dá a saborear no silêncio, mantendo alto o ambiente de exultação. Se não se faz este autêntico treino durante os 50 dias de Páscoa, é impossível vencer a rotina que continuamente nos rodeia e facilmente se apodera de nós.

Alguns gestos do papa Francisco no tríduo pascal foram deveras eloquentes: 1) A homilia da missa crismal foi uma autêntica ‘carta de amor’ aos sacerdotes. A missa da instituição da eucaristia, normalmente celebrada numa prisão ou outros locais emblemáticos das periferias humanas, foi este ano celebrá-la com Ângelo Becciú, o cardeal a quem há meses pediu para apresentar a renúncia ao cargo de Prefeito da Congregação da Causa dos Santos e a todos os direitos inerentes ao cardinalato. Ele sempre manifestou a sua inocência face às graves acusações de falta de transparência nalguns negócios e reiterou o seu amor e obediência incondicional ao Papa. Algo se terá passado, entretanto, que deu razão ao ex-colaborador directo, e o Papa Francisco terá querido manifestar o seu apreço, celebrando em casa dele e com ele, num dia tão especial. 2) Na Sexta-Feira Santa, na Via Sacra, com reflexões feitas por jovens, Francisco presidiu e recitou as orações, mas não fez qualquer alocução. O que tinha sido dito e vivenciado chegava; 3) Na missa de Domingo de Páscoa, em São Pedro, também não fez homilia. Sentou-se e fez silêncio durante uns minutos. A homilia da Vigília Pascal mantinha-se actual e já tinha apontado ao essencial.

Foram 3 os pontos focados ou anúncios que derivam da Páscoa: a) é sempre possível recomeçar, porque há sempre uma vida nova que Deus é capaz de fazer ressurgir em nós, pesem embora todas as nossas falhas. Deus é capaz de fazer uma obra de arte até dos destroços do nosso coração. E dos fragmentos ruinosos da nossa humanidade, Deus prepara-nos uma história nova. «Ele precede-nos sempre: na cruz do sofrimento, da desolação e da morte, tal como na glória de uma vida que ressurge, de uma história que muda, de uma esperança que renasce. Nestes meses escuros da pandemia, ouçamos o Senhor ressuscitado que nos convida a recomeçar, a jamais perdermos a esperança»; b) a indicação dada às mulheres para dizerem aos discípulos que fossem para a Galileia significa que é preciso percorrer caminhos novos. Mover-se na direcção contrária ao sepulcro, é apostar numa fé que não vive apenas de hábitos e coisas do passado que já não interpelam ninguém. Ir para a Galileia significa aprender que a fé, para ser viva, tem que se pôr em caminho, reavivando o (stupore) maravilhamento, a exultação do primeiro encontro. E depois entregar-se, sem a presunção de que já sabe tudo, mas com a humildade de quem se deixa surpreender pelos caminhos de Deus. Reavivemos em nós que Deus está vivo e nos surpreende sempre. ‘Ressuscitado’, nunca deixa de nos maravilhar, de abrir caminhos novos onde parece que não existem, de nos empurrar para irmos contracorrente dos que apenas se lamentam e nada encontram de novo. ‘Mesmo que tudo te pareça perdido, abre-te com estupefacção à sua novidade, porque te surpreenderá’. c) Ir para a Galileia significa também ir para os confins existenciais, como fez Jesus, anunciando a Boa Nova aos excluídos, aos frágeis, aos pobres, sendo rosto e presença de Deus que procura sem descanso quem está desencorajado ou perdido, pois ninguém é para Ele último ou excluído. O Ressuscitado pede-nos que vamos para esta Galileia real, a dos caminhos que percorremos cada dia, porque o Senhor precede-nos sempre e faz-se presente, precisamente na vida de quem passa ao nosso lado e partilha connosco o tempo, a casa, o trabalho, as fadigas e as esperanças. Na Galileia, aprendemos a encontrar o Ressuscitado no rosto dos irmãos, no entusiasmo de quem sonha, na resignação de quem está desencorajado, nos sorrisos de quem se alegra e nas lágrimas de quem sofre, sobretudo nos pobres e em quem está marginalizado. Jesus Ressuscitado ama-nos sem limites e visita todas as situações da nossa vida, para que possamos redescobrir a graça do quotidiano. Com Ele, a vida mudará, porque o Ressuscitado vive e é Ele que conduz a história.

P. Carlos Vaz, ASSASBraga

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *