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Quinta-feira, Março 28, 2024

[:pt]Vida em Missão: da Pedra Um ao alto da Donga .[:]

[:pt]Pedra Um, 16 de Julho de 2019
António Agostinho, in Blog Ondjoyetu

Mudar o rumo do quotidiano, dar aos outros um pouco da nossa fé e do nosso tempo, foi o mote que nos levou à Missão ONDJOYETU, na Comuna do Gungo da Diocese do Sumbe, em Angola, superiormente dirigida e animada pelo Padre David Nogueira Ferreira, proveniente da Diocese de Leiria-Fátima.

A Casa da Pedra Um, no Sumbe, onde inicialmente fomos recebidos, situa-se num bairro em que a terra polvilhada de pó acolora casas de adobe, dá cor de suor às pessoas que andam e conversam nas ruas, na praça da fonte ou no mercado aberto em que o chão faz de bancada e de tudo se vende: farinha de milho, ovos, tomate, verduras, óleo de palma, pilhas, rádios, lanternas, batatas, mandioca, peixe seco, vestuário, calçado, enfim, aquilo de que as pessoas, na condição em que vivem, mais necessitam para o seu dia a dia.

A Casa da Pedra Um, como viemos a verificar, desempenha um papel vital na vida da Missão, pois, aí se faz toda a logística e armazenamento dos bens que são depois encaminhados para a sede da Missão, situada no alto da Donga, à “curta” distância de 130 kms da cidade do Sumbe, cujos 50 kms finais se tornam um verdadeiro calvário de estreitos caminhos de terra batida entre picos de íngremes subidas, salpicos de rochas graníticas que mordem, picam, furam e escorregam, apenas permitindo a passagem de pessoas, animais e veículos motorizados adequados à sinuosidade e precariedade do trajecto (motorizadas e jipes), perdurando o calvário, se nada de grave acontecer, como avarias de motor, furos, enjoos ou paragens de saudação e cumprimentos, a média normal de 8 a 10 horas.

O designado “cavalinho branco” – jipe Toyota Land Cruiser -, mal entra na picada, atravessa montes e vales, serpenteando os bairros escondidos entre capim, palmeiras, bananeiras e embondeiros, cruzando lavras e nacas, atraindo grupos de crianças mestradas entre pessoas adultas gritando XAUÉ, XAUÉ em que o “É” final ecoa prolongadamente num delírio colectivo saudando o Senhor Padre, PADRE, PADRE, num cumprimento de boas vindas e de um reconhecido e sincero OBRIGADO, OBRIGADO.

Bom de ver como toda a gente, ao cruzar, num tom feliz, carinho e sorridente, se saúda e cumprimenta, dizendo: “bom dia”, “boa tarde”, “boa noite”, “tás bem / bom ou boa”, “xauéé”, “xauéé”, “obrigado/a”, tratando os mais idosos, sabedores de vida e experiência, por “avô” ou “avó” e, entre todos “mano”, “mana”, algo que, na nossa terra, dita “mais civilizada”, caiu em esquecimento e desuso, tornando as pessoas mais sisudas, acabrunhadas e distantes.

Como é bom, Senhor, viver com as gentes que puseste no nosso caminho de Missão.

Como projectado, na passada quinta-feira, 11 de Julho, seguido de um outro jeep, gentilmente cedido pelo Senhor Bispo da Diocese do Sumbe (Dom Kiala) e da designada mula (veículo de caixa aberta que transporta bens e mercadorias mais pesadas), o nosso “cavalinho branco” seguiu para a Donga e, após vários sobressaltos de subidas escarposas e escorregadiamente graníticas, o seu motor não aguentou e, da comitiva em paragem forçada, o Padre David, o voluntário Humberto e o motorista Mário, num esforço de monta e desmonta, abre, fecha e cola fios, lá descobrem a causa da avaria, permitindo, ao cabo de hora e meia, a retoma de marcha lenta, de sobe, salta e desce, vira à esquerda, torce à direita, olha o fundão, pára que não passa, desvia que aí vem mota, olha a mulher que aí vai na água e de carga à cabeça, mas, sobe, sobe, sobre, passa rio aqui e ali, pisa capim, desvia de ramo e entra em clareira onde, ao cimo se avista um pouco de luz e casario… era a Donga, era noite, eram 23,30 horas … e lá estava a mana Teresa, rosto de simpatia, lábios de sorriso, “viagem correu bem? – óh, óh, se correu, “vamos que a janta está na mesa”, e vai uma saborosa sopinha, pão e fruta como é de tradição.

O dia seguinte, 12 de julho, foi de conhecimento das condições da missão composto de cinco pequenos edifícios: um destinado a alojamento com quatro pequenos quartos, podendo albergar cerca de 16 pessoas; outro que serve de cozinha e sala de jantar; outro onde vive o catequista geral da Paróquia da Donga; outro onde vivem alguns trabalhadores da missão; e o edifício da capela que, além de ser o local de culto, é o centro de espiritualidade da missão, servindo para reuniões, formação, catequese, e ainda para acolher as pessoas que acorrem às celebrações religiosas e demais iniciativas da Missão, aí podendo pernoitar, descansar e guardar alguns pertences e bens pessoais ou das respectivas comunidades.

Ao mesmo tempo que íamos convivendo com as pessoas que vivem na Missão, logo nos apercebemos que a mesma desempenha um papel fundamental na formação e educação cristã das gentes que vivem na Comuna do Gungo, ocupando, em zona de montanhas e planaltos, uma área aproximada de 2.100 kms2, com a extensão de raio máximo de 82 kms.

Ao mesmo tempo, servida pelo Padre David, por alguns catequistas, trabalhadores e voluntários, a Missão desempenha, no contexto territorial em que se integra, um relevante e meritório papel nos sectores da educação e formação humana, instruindo crianças, jovens e adultos; da acção social, prestando assistência médica e medicamentosa a pessoas doentes e fragilizadas, e socorrendo com alimento, vestuário e calçado as pessoas mais pobres, famintas e doentes.

A Missão, através de algumas actividades que vai exercendo, tem ajudado a melhorar as condições de vida e habitabilidade das gentes do Gungo, requalificando o fabrico de materiais de construção (tijolo de BTC), fabrico de argamassas enriquecidas, captação, condução e armazenamento de água numa zona dela carenciada, requalificação dos sistemas de cultivo de bens essenciais (milho, batata, feijão, hortas), servindo de agente regulador de preços que muito tem contribuído para a melhoria do rendimento e sobrevivência das gentes do Gungo e das suas comunidades.

E, nesse contexto, foi bom ver como se cuida dos gados (porcos, cabras, galos, galinhas), se zela a terra de cultivo (lavras) da batata, milho, feijão, verduras, tomate, pepino, abóbora e outros produtos; se implementou e zela a pequena oficina de tijolos de BTC que tem permitido a edificação de casas e edifícios mais sólidos, robustos e mais resistentes à humidade e às águas da época das chuvas; a mana Teresa a socorrer doentes, medindo temperaturas, dando e ministrando medicamentos; o avô Filipe mestre de cozinha no sábio comando da confecção de refeições; a voluntária e atenta Sílvia a coordenar todos os trabalhos mais pormenorizados das casas, da cozinha, da capela, da logística de abastecimento; o voluntário Humberto e o motorista Mário a, numa noite escura, socorrerem uma jovem parturiente que deu à luz na Donga uma criança prematura de cerca de 7 meses, conduzindo, a toda a pressa e pela escurecida picada da noite, a mãe e filha ao Hospital do Sumbe, num dia e meio de viagem que terminou com a notícia de que mãe e filha estão bem! Sem dúvida, nessa noite, por intercessão de São José, Padroeiro da Missão, e de Nossa Senhora de Fátima, Deus protegeu sobremaneira aquela jovem mãe e a sua filha prematura.

No sábado, 13 de Julho, foi um fervilhar de trabalho na sede da Missão. O Grupo da UASP, sob orientação do Padre David, da Sílvia e do Humberto, dedicou-se à execução de tarefas diferenciadas.

Enquanto alguns se ocupavam da melhoria das instalações (limpeza e arrumação da oficina de tijolos BTC, limpeza dos alicerces do novo edifício destinado ao catequista para posterior isolamento e pintura, subida do tecto da latrina, limpeza da zona adjacente ao tanque de água), outros dedicaram-se à formação de acólitos, outros a trabalhos de costura e outros à formação bíblica de catequistas e à preparação dos catecúmenos.

O Domingo, 14 de Julho, dia do Senhor, iniciou-se com as laudes a que se seguiu a missa dominical, presidida pelo Padre Armindo Janeiro e concelebrada pelo Padre David, Pároco da Missão, nela participando centenas de pessoas, muitas delas jovens, vindas de diversos bairros da Paróquia da Donga, e que foi celebrada em umbundo (língua nativa local) e português, tendo sido brilhantemente animada por vozes naturalmente sonantes e musicais, cheias de ritmos e de profundo sentido cristão, retornando às suas casas de coração cheio para um viver mais solidário e feliz.

Na parte da tarde, foi o encontro e cruzar de famílias – famílias das comunidades do Gungo e das famílias que foram em missão, partilhando entre umas e outras as experiências de vida de casal, da formação e educação da família cristã, das vivências em família, as relações entre esposos, pais, filhos e avós, a entreajuda mútua dos esposos na construção de uma família mais sólida e feliz, a educação dos filhos, as dificuldades e preocupações que assolam as famílias, enriquecendo conhecimentos e experiências que nos ajudaram a compreender as diferenças culturais, sociais e humanas das famílias presentes, fazendo ressaltar o denominador comum da construção de uma família mais solidária e feliz na vivência do verdadeiro amor cristão.

Como nota final, o espírito de missão está bem presente na acção e nas atitudes dos servidores da Missão, tendo, à cabeça, o Padre David, sacerdote apaixonado que se dedica, de alma e coração, à causa da missão, à evangelização do povo e das gentes que lhe estão confiadas, sabiamente coadjuvado pelo conjunto de voluntários que, de tempo em tempo, o auxiliam nas tarefas da missão, sejam elas no campo religioso e espiritual, sejam elas mais centradas na acção social, humanitária, educacional ou laboral na criação de estruturas físicas que possam melhorar as condições da Missão, tornando mais profícua a sua acção missionária, alimentada pela oração e pelo sentido de ajudar e bem servir as populações e comunidades da Comuna do Gungo e da Diocese do Sumbe.

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One thought on “[:pt]Vida em Missão: da Pedra Um ao alto da Donga .[:]

  1. Olá, caros amigos, Paz e Bem

    O registo da missão, “da Pedra Um ao alto da Donga”, escrito e bem ilustrado pelo António Agostinho, é duro, mas realista. Depois da missão “macia”, em 2018, à Madeira e Porto Santo, embora atingindo os objectivos propostos, os bravos enviados em 2019, de regresso a África, cumpriram uma difícil, mas relevante missão. Merecem, agora, que as férias se estendam por este mês abrasador de Setembro…..
    …….Com as sugestivas “Jornadas Culturais da UASP” à porta, esperamos por eles para um abraço amigo, fraterno e solidário….
    Alfredo

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